quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

CONHECE-TE A TI MESMO




Gnōthi seauton (conhece-te a ti mesmo)
Por Fergi Cavalca

Outro dia alguém me perguntou sobre a famosa frase “conhece-te a ti mesmo” que muitos pensam ser da autoria de Sócrates, o grande filósofo Grego. Fui pesquisar, confesso, apesar de que já a conhecia por estudos realizados anos atrás. A frase é muito utilizada, mas sua recomendação muito pouco usada. A não conhecermos o nosso conflitante ego, raiz das palavras egocentrismo, egotismo e egoísmo, características bastante negativas, mas muito frequentes no indivíduo humano que habita o nosso planeta.
Segundo a tradição dos historiadores, a frase acima estava estampada no frontispício do Templo que abrigava o “Oráculo de Delphos”. Atribui-se a sua autoria à primeira pítia[1] que profetizou naquele estabelecimento; segundo antigos alfarrábios chamava-se ela “Fenomoe”.  
Thales de Mileto, um dos mais proeminentes sábios do período pré-socrático, usava frequentemente esse axioma como norma para suas posições filosóficas plenas de lições e exemplos dignificantes que ativam o desempenho daqueles que almejavam progredir na senda do conhecimento humano.
Mas, sem sombra de dúvidas, foi Sócrates, através de Platão, que insistindo no embasamento de que o conhecimento passava por um perpétuo e variável fluxo, conforme expunha em sua maiêutica [2] quem mais se valeu desta máxima para exemplificar sua filosofia. O indivíduo se transforma exteriormente dentro da sociedade em que vive, mas isso não implica em evolução interior que possa amoldar a suas ideias e transformá-las pelo simples saber; esse saber é até mesmo superficial, sem um aprofundamento de sua própria natureza. Conhecer-se a si mesmo, no entanto, é uma prática que exige desprendimento total do indivíduo para avaliar conscientemente seu potencial humano, seja físico, psicológico ou espiritual.
Voltando ao nosso mundo de hoje onde devido ao dinâmico e surpreendente desenvolvimento tecnológico que se amplia com velocidade vertiginosa, o homem não consegue acompanhar com a mesma rapidez o acréscimo ético e moral que seriam importantes para seu proveito. E por esse motivo recrudesce a violência, o crime, o sexo desenfreado, os vícios, as drogas, a prostituição e quantas outras falhas de caráter houver frutos do profundo egocentrismo da natureza humana.
Não queremos absolutamente nos posarmos de santos, na verdade, somos humanos e cheios de defeitos e nem queremos ser exemplos de virtude e moral, mas como escritor de livros de cunho esotérico, que procura ser um guia para as pessoas nesse mundo de extrema desigualdade e violência nos colocamos como alguém que levanta a lanterna colocando-a acima, de forma a iluminar a quem necessite da luz.
Uma das características do homem de forma generalizada e impessoal é o seu profundo apego à vida material, aos prazeres e à satisfação de suas vontades. Isso ele faz, geralmente, de forma mecânica e sem pensar nas consequências que seus atos trarão para o seu próximo; dificilmente há um juízo das atitudes tomadas... Ele pensa isso sim, nas vantagens que poderão resultar de suas atitudes em benefício próprio, em seu lucro e, principalmente, em seu bem-estar. No máximo incluirá sua família na fila dos que usufruirão vantagens, mesmo assim, em poucas situações. Um estudo sério de suas fraquezas ou potencialidades, o desdobramento de seu caráter, o conhecimento de suas reações psicológicas ou outros fatores que dão notícia e ciência de sua personalidade, são raridades na sociedade moderna.
E dessa maneira torna-se difícil o sentimento do “você” aparte do “eu”. Jesus alertava a humanidade para o grande mandamento: “Ama teu próximo como a ti mesmo”.  
Como a ti mesmo, ressalto, pois essa é a única maneira de mostrar o amor incondicional que cada indivíduo exprime por si, já que o outro sempre será o ‘outro’; um supérfluo que não participa de nosso ego. De uma maneira geral o conceito que temos de nossa própria individualidade é muito superior àquilo que seria prudente para quem deseja evoluir nos caminhos da vida.
O mérito consiste em entender o quanto o prestígio da máxima grega “gnōthi seauton”(conhece-te a ti mesmo) pode se refletir na modificação do caráter individualizado...
 Quando praticada, mesmo de forma empírica, essa norma age sobre o ego produzindo uma atitude equilibrada perante o mundo. E se cada um conhece suas possibilidades seu respeito cresce, e então passará a observar melhor outras formas, sejam elas humanas, animais ou minerais; é uma participação individual com reflexos coletivos, pois englobar-se-á em cada um dos ritmos e reinos da natureza.  Mas acima de tudo é preciso que sua vontade já desmembrada do egoísmo açambarque a totalidade do ser.
Conhecer a si mesmo é estabelecer os limites de sua natureza animal e despertar as glórias de sua síntese espiritual; é colocar-se em sua posição de criatura perante O Todo, a Realidade Substancial que se une à Verdade Fundamental.
Ninguém disse que trilhar a senda era fácil! Aliás, é tão difícil que apenas uma pequenina porcentagem da humanidade seria capaz de entender esses preceitos e uma porcentagem menor ainda, de praticá-los. Mas a perseverança é uma qualidade que fornece àqueles que a cultivam a possibilidade de atingir a meta final. Só atingimos o cume da montanha se nós escalarmos o primeiro lance da subida; o topo da escada é um privilégio de quem pisou o primeiro degrau. Os graus evolutivos se estabelecem dessa forma peculiar e não adianta querermos ultrapassar etapas, pois elas são consequentes e, se não as seguirmos na ordem específica não conseguiremos nosso intento... Dar um passo maior do que a perna pode levar ao tropeço e comer o pedaço maior do que a boca, ao engasgo!
Por isso o grande filósofo de Atenas repetia incansavelmente: “Queres entender a síntese do Universo? Então conhece-te a ti mesmo! 





[1] Feiticeira, médium, vidente que profetizava para os consulentes do Oráculo.
[2] Forma de partejar (dar a luz) as ideias filosóficas, recurso muito utilizado por Sócrates em seus ensinamentos recolhidos por Platão.

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