Gnōthi seauton (conhece-te a ti mesmo)
Por
Fergi Cavalca
Outro
dia alguém me perguntou sobre a famosa frase “conhece-te a ti mesmo” que muitos pensam ser da autoria de
Sócrates, o grande filósofo Grego. Fui pesquisar, confesso, apesar de que já a
conhecia por estudos realizados anos atrás. A frase é muito utilizada, mas sua
recomendação muito pouco usada. A não conhecermos o nosso conflitante ego, raiz
das palavras egocentrismo, egotismo e egoísmo, características bastante
negativas, mas muito frequentes no indivíduo humano que habita o nosso planeta.
Segundo
a tradição dos historiadores, a frase acima estava estampada no frontispício do
Templo que abrigava o “Oráculo de Delphos”. Atribui-se a sua autoria
à primeira pítia[1]
que profetizou naquele estabelecimento; segundo antigos alfarrábios chamava-se
ela “Fenomoe”.
Thales
de Mileto, um dos mais proeminentes sábios do período pré-socrático, usava
frequentemente esse axioma como norma para suas posições filosóficas plenas de
lições e exemplos dignificantes que ativam o desempenho daqueles que almejavam
progredir na senda do conhecimento humano.
Mas,
sem sombra de dúvidas, foi Sócrates, através de Platão, que insistindo no
embasamento de que o conhecimento passava por um perpétuo e variável fluxo,
conforme expunha em sua maiêutica [2] quem mais se valeu desta
máxima para exemplificar sua filosofia. O indivíduo se transforma exteriormente
dentro da sociedade em que vive, mas isso não implica em evolução interior que
possa amoldar a suas ideias e transformá-las pelo simples saber; esse saber é
até mesmo superficial, sem um aprofundamento de sua própria natureza.
Conhecer-se a si mesmo, no entanto, é uma prática que exige desprendimento
total do indivíduo para avaliar conscientemente seu potencial humano, seja
físico, psicológico ou espiritual.
Voltando
ao nosso mundo de hoje onde devido ao dinâmico e surpreendente desenvolvimento
tecnológico que se amplia com velocidade vertiginosa, o homem não consegue
acompanhar com a mesma rapidez o acréscimo ético e moral que seriam importantes
para seu proveito. E por esse motivo recrudesce a violência, o crime, o sexo
desenfreado, os vícios, as drogas, a prostituição e quantas outras falhas de
caráter houver frutos do profundo egocentrismo da natureza humana.
Não
queremos absolutamente nos posarmos de santos, na verdade, somos humanos e
cheios de defeitos e nem queremos ser exemplos de virtude e moral, mas como
escritor de livros de cunho esotérico, que procura ser um guia para as pessoas
nesse mundo de extrema desigualdade e violência nos colocamos como alguém que
levanta a lanterna colocando-a acima, de forma a iluminar a quem necessite da
luz.
Uma
das características do homem de forma generalizada e impessoal é o seu profundo
apego à vida material, aos prazeres e à satisfação de suas vontades. Isso ele
faz, geralmente, de forma mecânica e sem pensar nas consequências que seus atos
trarão para o seu próximo; dificilmente há um juízo das atitudes tomadas... Ele
pensa isso sim, nas vantagens que poderão resultar de suas atitudes em
benefício próprio, em seu lucro e, principalmente, em seu bem-estar. No máximo
incluirá sua família na fila dos que usufruirão vantagens, mesmo assim, em
poucas situações. Um estudo sério de suas fraquezas ou potencialidades, o
desdobramento de seu caráter, o conhecimento de suas reações psicológicas ou
outros fatores que dão notícia e ciência de sua personalidade, são raridades na
sociedade moderna.
E
dessa maneira torna-se difícil o sentimento do “você” aparte do “eu”. Jesus
alertava a humanidade para o grande mandamento: “Ama teu próximo como a ti
mesmo”.
Como a
ti mesmo, ressalto, pois essa é a única maneira de mostrar o amor incondicional
que cada indivíduo exprime por si, já que o outro sempre será o ‘outro’; um
supérfluo que não participa de nosso ego. De uma maneira geral o conceito que
temos de nossa própria individualidade é muito superior àquilo que seria
prudente para quem deseja evoluir nos caminhos da vida.
O
mérito consiste em entender o quanto o prestígio da máxima grega “gnōthi
seauton”(conhece-te a ti mesmo) pode se refletir na modificação do caráter
individualizado...
Quando praticada, mesmo de forma empírica,
essa norma age sobre o ego produzindo uma atitude equilibrada perante o mundo.
E se cada um conhece suas possibilidades seu respeito cresce, e então passará a
observar melhor outras formas, sejam elas humanas, animais ou minerais; é uma
participação individual com reflexos coletivos, pois englobar-se-á em cada um
dos ritmos e reinos da natureza. Mas acima de tudo é preciso que sua
vontade já desmembrada do egoísmo açambarque a totalidade do ser.
Conhecer
a si mesmo é estabelecer os limites de sua natureza animal e despertar as
glórias de sua síntese espiritual; é colocar-se em sua posição de criatura
perante O Todo, a Realidade Substancial que se une à Verdade
Fundamental.
Ninguém
disse que trilhar a senda era fácil! Aliás, é tão difícil que apenas uma
pequenina porcentagem da humanidade seria capaz de entender esses preceitos e
uma porcentagem menor ainda, de praticá-los. Mas a perseverança é uma qualidade
que fornece àqueles que a cultivam a possibilidade de atingir a meta final. Só
atingimos o cume da montanha se nós escalarmos o primeiro lance da subida; o
topo da escada é um privilégio de quem pisou o primeiro degrau. Os graus
evolutivos se estabelecem dessa forma peculiar e não adianta querermos
ultrapassar etapas, pois elas são consequentes e, se não as seguirmos na ordem
específica não conseguiremos nosso intento... Dar um passo maior do que a perna
pode levar ao tropeço e comer o pedaço maior do que a boca, ao engasgo!
Por
isso o grande filósofo de Atenas repetia incansavelmente: “Queres entender
a síntese do Universo? Então conhece-te a ti mesmo!
Nenhum comentário:
Postar um comentário