quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Um país também envelhece?

 Envelhecer sim, mas com dignidade.
Por Fergi Cavalca

O Brasil está mudando o seu perfil social; o envelhecimento da população é uma das grandes conquistas culturais da sociedade e reflete melhoria das condições de vida que possibilitem uma perspectiva de sobrevida mais alta.
Isso no papel e nas estatísticas oficiais que mostram que o número de pessoas com mais de sessenta anos, no Brasil, dobrou nos últimos vinte anos  atingindo a marca de 12% da população. Na realidade quer dizer que nos próximos anos o país não será mais, exclusivamente de jovens, como estava destacado em épocas passadas, mas sim um país maduro.
Infelizmente a qualidade de vida, fator que deve ser levado em grande conta, não acompanha esta tendência da humanidade moderna. Enquanto em outros países de primeiro mundo chegar à idade “provecta” é encarado como uma conquista pessoal, com aposentadorias satisfatórias que dão tranquilidade àqueles que delas usufruem, que possibilitam viagens de férias ou lazer pelo próprio país ou pelo mundo, aqui no Brasil a única vantagem que os “velhinhos” percebem é “furar fila” — fato que atualmente não ajuda muito, visto que com o aumento da população de idosos as filas preferenciais estão maiores do que as comuns — e viajar gratuitamente em ônibus urbanos. Os mais novos só se lembram do idoso na hora de pagar uma conta: ― vai lá vovô que você não pega fila...
Aposentadorias insignificantes e reajustadas de forma diferenciada — aposentados recebem aumentos em percentuais menores do que a inflação e do que a classe trabalhadora e menor ainda do que a correção do bolsa família — achatam cada vez mais o pequeno provento dessa oprimida classe social brasileira.
Eu como cronista e septuagenário, sinto na pele os problemas e dilemas desse ser estranho e diferenciado pela sociedade e, pejorativamente chamado de velho, coroa, tio e etc., mas observo e concluo derramando sobre o papel ― no caso o computador ― os acabamentos e arremates que marginalizam essa classe que não tem a quem apelar.
Os supermercados, bancos e instituições que apresentam filas de idosos, colocam apenas uma caixa para atendê-los, mesmo quando a fila correspondente apresenta um número maior de usuários, principalmente na época em que os velhinhos vão receber o famoso “pé-na-cova”, o pequeno subsídio com que vivem sustentando suas mazelas e doenças com os caríssimos remédios, na maioria das vezes indisponíveis nas farmácias do governo.
 E aí o feitiço vira contra o feiticeiro, pois o idoso geralmente é mais lento do que os mais jovens e a demora nas caixas triplica, deixando de ser um benefício para ser uma tortura. E além de ter que ouvir as piadinhas atrás de si, ainda recebe pela frente a falta de educação da maioria de nossos despreparados atendentes.
No ônibus a situação é pior. Em muitas cidades ―graças a Deus nas capitais melhorou ―  o idoso é obrigado a entrar pela porta da frente e ocupar, apenas, o espaço de dois metros quadrados, se tanto, entre a borboleta e a porta dianteira. Outro dia peguei um ônibus onde viajavam dezesseis pessoas idosas espremidas naquele espaço exíguo, enquanto na parte de trás o veículo apresentava vários lugares vagos. Isso, meus amigos é descaso criminoso, desrespeito, desmoralização e desobediência a uma lei que, teoricamente, deveria trazer bem-estar e conforto aos mais velhos. Nas cidades grandes os motoristas autorizam entrada pela porta oposta à borboleta. Acho que tal prática deveria ser obrigatória.
As cadeiras que deveriam servir para os mais velhos estão ocupadas por pessoas jovens que, mesmo vendo o idoso em pé, fingem dormir e até fazem vista grossa. E se você falar a um deles que está sentado em lugar indevido, se arrisca a ser, até mesmo, agredido.
Outro dia num supermercado havia quinze pessoas na fila do idoso, todos com idade bem inferior a sessenta anos. Quando reclamei que a fila era preferencial, revoltaram-se comigo e disseram que se eu não gostasse fosse procurar outro mercado. Insatisfeito falei com o gerente que afirmou não poder fazer nada, pois era domingo e só tinha mais dois caixas à disposição.
Nos hospitais e postos de saúde é impressionante o descaso com que os velhinhos são tratados; jogados pelos corredores, abandonados sem atendimento, muitos morrem antes de receber o tratamento desejado. Quando conseguem uma consulta, mandam-nos com uma lista de exames que, para serem feitos precisam aguardar por meses e até anos e, caso consigam, precisam de outro tanto para marcar outra consulta. E quando conseguem a consulta, os exames já prescreveram e será preciso serem refeitos, e assim o ciclo vai se repetindo até a morte do pobre velho que recebe o epíteto de paciente.
Quantas famílias jogam seus velhos em asilos... quantos idosos abandonados, alguns portando Alzheimer em grau avançado... quantos maltratados por profissionais impacientes que até castigos físicos impõe aos coitados. Tenho pena da criança órfã jogada nas creches, mas elas, pelo menos, despertam mais piedade e muitos se dispõem a ajuda-las ou adota-las... mas dos velhos ninguém quer cuidar, ninguém tem pena; é trabalhoso, chato, eles não entendem, são surdos, enxergam mal, fazem xixi na roupa, usam fraldas...
E mal sabem essas pessoas que veem nos velhos apenas um estorvo que um dia chegarão lá.
Ou, talvez, não!


2 comentários:

  1. Olhe Fernando...
    Os idosos vêm travando algumas lutas ao longo do tempo e ganhado quase todas!
    Onde é que eles, e nós mesmos, temos perdido?
    Na falta de respeito generalizada!
    Temos que nos comportar de acordo com nossos cabelos brancos, com nossas posições perante a sociedade, com nossas responsabilidades perante nossas famílias, filhos, netos, noras, genros, irmãos, primos tios, quando ainda os temos...
    Amigos, pessoas de nossas relações...
    Enfim...
    Temos que nos comportar como cidadãos exemplares, que temos a pretensão, não raro, de ser!
    E do outro lado?
    Fica parecendo que lidamos com pessoas de um outro mundo!
    Pessoas que não têm familiares idosos, pais, avós, tios, parentes diversos!
    Então, ou os vemos como uns ETs ou...
    Nos sentimos como tal!
    Temos dois grandes supermercados na praça principal da cidade...
    Nenhum deles, prioriza os caixas pros idosos, gestantes, mães com crianças pequenas, deficientes, doentes crônicos...
    Noutro dia fui reclamar com um gerente, sobre a fila do caixa dos idosos!
    A resposta que tive foi de quem desconhece totalmente a Lei!
    Disse ele, que havia uma caixa disponível pros idosos e outros...
    Do que é que eu estava reclamando?
    Custei fazê-lo entender que os caixas exclusivos são pra que não hajam filas pros "pseudo-beneficiados"!
    E, penso que se fizerem uma eleição pra eleger o velho mais, chato, arrogante, prepotente, criador de confusão...
    Vou ganhar por unanimidade!
    O que quero dizer...
    Me sinto quase só nesta luta!

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  2. Veja só Mário, outro dia fui pegar uma conta numa operadora que, por respeito omito o nome, e pedi ao atendente se tinha uma ficha preferencial. Ele me respondeu que tinha, mas falou que a preferencial ia demorar mais do que o atendimento normal. Perguntei quantos prioritários havia e ele disse que somente eu era preferencial e por isso teria de esperar. resultado tive ir à gerente depois de tentar convencê-lo que a palavra preferencial queria dizer "aquele que tem preferência". O rapaz não se convenceu, mas a gerente resolveu o meu problema.
    Moral da história: pessoas despreparadas em postos importantes e que não sabem lidar com público. Esse é o retrato do nosso Brasil.

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